SUBLINHADOS PARA TI

com a esperança da cor Verde, o que eu sublinhei enquanto dormias...

quinta-feira, julho 28, 2005

Se houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.

Pablo Picasso

quarta-feira, julho 27, 2005

Regressamos sempre aos velhos lugares onde amámos a vida. E só então compreendemos que não voltarão jamais todas as coisas que nos foram queridas. O amor é simples, e a vida devora as coisas simples.

Manuel Alegre

segunda-feira, julho 25, 2005

És agora uma fotografia ao lado da minha insónia. Uma memória que me fala sobretudo, como todas as memórias, daquilo que não existiu. Nesta fotografia te esqueço. Meticulosamente, de cada vez que me esforço por reter-te e começo a inventar-te. Tudo em ti tem asas, agora - o te riso, os teus passos. Até nas poucas frases de que de ti recordo há um restolhar de penas. E deslizo para esta solidão demasiada humana de não poder voltar a ser sozinho, como era quando tu existias, nesta mesma cidade, e eu já nem sequer pensava em ti.

Inês Pedrosa, in "Fazes-me falta"

quinta-feira, julho 21, 2005

A nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as históricamente conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática. Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio destino.
Mas agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa vida.
Mas esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja trajectória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora – consiste em todo o contrário. Em vez de impor-nos uma trajetória, impõe-nos várias e, consequentemente, força-nos... a eleger. Surpreendente condição a da nossa vida! Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem mum só instante se deixa descansar a nossa actividade de decisão. Inclusivé quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir, decidimos não decidir.
É, pois, falso dizer que na vida «decidem as circunstâncias». Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.

José Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'

quarta-feira, julho 06, 2005

Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...



Florbela Espanca

terça-feira, julho 05, 2005

Eu, porém, vos digo que não jureis nunca a verdade, porque a verdade nua e crua, além de indecente, é dura de roer; mas jurai sempre e a propósito de tudo, porque os homens foram feitos para crer antes nos que juram falso do que nos que não juram nada. Se disseres que o sol acabou, todos acenderão velas.

Machado de Assis, in 'O Sermão do Diabo'

segunda-feira, julho 04, 2005

O Amor

O amor pertence a si mesmo, surdo às súplicas, imutável perante a violência. O amor não é uma coisa que se possa negociar. O amor é a única coisa mais forte do que o desejo, a única razão justa para resistir à tentação.

Jeanette Winterson, in 'Escrito no Corpo'

domingo, julho 03, 2005

Recado

Estou aqui, como se te procurasse
a fingir que não sei aonde estás
queria tanto falar-te, e se falasse
dizer as coisas que não sou capaz

dizer, eu sei lá, que te perdi
por não saber achar-te à minha beira
e na casa deserta então morri
como a luz do teu sorriso à cabeceira

queria tanto falar-te e não consigo
explicar o que se sofre, o que se sente
e perguntar, como ao teu retrato digo
se queres casar comigo novamente

António Lobo Antunes

sexta-feira, julho 01, 2005

Não tentes enterrar a dor: estender-se-á pela terra, sob os teus pés; infiltrar-se-á na água que tenhas de beber e envenenar-te-á o sangue. As feridas fecham-se, mas ficam sempre cicatrizes mais ou menos visíveis que voltarão a incomodar quando mudar o tempo, lembrando-te na pele a sua existência e, com ela, o golpe que as originou. E a recordação do golpe afectará as decisões futuras, criará medos inúteis e tristezas vis, e crescerás como uma criatura apagada e cobarde. Para quê tentar fugir e deixar para trás a cidade onde caíste? Pela vã esperança de que, noutro local, num clima mais benigno, já não te doerão as cicatrizes e beberás uma á gua mais limpa? Em teu redor erguer-se-ã o as mesmas ruínas da tua vida porque, para onde quer que vás, levarás a cidade contigo. Não há terra nem mar novo, a vida que não aproveitaste ficará por aproveitar em qualquer parte do Mundo...

Lucía Etxebarría, in 'Beatriz e os corpos celestes'